Maputo, 28 de Maio de 2020
Moçambique cumpre o segundo mês consecutivo de Estado de Emergência, decretado pela primeira vez no dia 1 de Abril de 2020, por motivos de calamidade pública provocada pela pandemia da COVID 19. O Presidente da República, Filipe Nyusi, procede hoje, pelas 20 horas, uma declaração a Nação durante a qual comunicará a sua decisão sobre prorrogação ou não do Estado de Emergência, em vigor no país.
A Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais-ADECRU acompanha e monitoriza com grande preocupação o aumento diário de casos positivos confirmados em várias províncias, distritos e comunidades rurais do nosso país. Com mais de 42 organizações da sociedade civil assinou um Plano de acção (link: https://reformar.co.mz/publicacoes/por-um-estado-de-emergencia-com-justica.pdf) para apoiar o governo e a população moçambicana nos seus esforços para enfrentar e combater os impactos sanitários, sociais, económicos e políticos provocados pela pandemia da COVID-19 e consequente decretação do Estado de Emergência.
Um pouco por todo o pais, são visíveis os esforços de várias entidades públicas e privadas na adopção de medidas preventivas para combater e conter a rápida propagação desta pandemia letal do coronavírus nas principais cidades e capitais provinciais e distritais. Nesta batalha, destacam-se o Ministério da Saúde, o Instituto Nacional da Saúde, a Polícia da República de Moçambique, os conselhos autárquicos, confecções religiosas, os profissionais de saúde e uma vasta rede de activistas e gentes de boa vontade.
Nos principais mercados das cidades e vilas, além dos famosos e já proibidos túneis, por decisão do Ministério da Saúde, tem sido cumprido o distanciamento social entre as vendedeiras e a obrigatoriedade de desinfecção das mãos dos clientes com água e sabão ou álcool em gel. Outros locais contam ainda com aparelhos de medição de temperatura corporal. Tal como é o caso do posto de controlo e fiscalização rodoviária de Zandamela, em Inhambane, na estrada nacional número 1.Também é notável uma certa consciência dos citadinos em cumprir com as regras de prevenção do Covid-19, muitos dos quais se fazem à rua com máscaras, viseiras e em alguns casos luvas para evitar a contaminação por Covid-19.
Porém, se dentro das cidades e vilas, o combate ao coronavírus tem sido encarado pelos governos provinciais, distritais e municipais com diversas acções, a realidade das famílias e comunidades rurais em Moçambique é outra e particularmente assustadora. Os membros de grupos de base que trabalham com ADECRU em várias comunidades das províncias de Sofala, Zambézia e Nampula explicam como a ausência de políticas e observância das mais elementares medidas de prevenção atingem as comunidades e as expõe ao maior risco de contaminação.
Os nossos entrevistados relatam que muitas famílias destas comunidades são desprovidas de água e de mínimas condições de subsistência, por isso torna-se difícil cumprir com as medidas e continuam com a sua rotina diária e mantem praticamente inalterados os seus usos e costumes, o que passa por, frequentar mercados e outros locais de maior aglomeração populacional sem a devida protecção ou distanciamento social. Também continuam a trabalhar em grupos como é característico das actividades rurais com destaque para agricultura, produção de tijolos, carvão, entre outras.
Arlindo Chondela, militante da ADECRU na comunidade de Milha 26, distrito de Dondo, província de Sofala descreve a seguir o cenário vivido na sua comunidade.
“Aqui na comunidade de Milha 26 estamos bem e a comunidade continua exercendo as suas actividades, mesmo tendo conhecimento da doença, mas não temos como nos prevenirmos, por exemplo, agora estou no forno a produzir carvão junto com 4 companheiros todos sem mascaras. Se puderem nos ajudar com máscaras e sabão seria bom, pois o único alfaiate que tem aqui fica um pouco distante, só no posto Administrativo de Savana” diz Arlindo Chondela.
A mesma realidade vive-se na comunidade de Namacula, no Distrito de Mecubiri, província de Nampula, onde segundo Francisco Artur “a comunidade tem informação só que se ressente da falta de máscaras e sabão para se prevenir da doença”.
Em algumas comunidades, como a de Massamba- distrito de Muanza, província de Sofala, Nhamaturi- distrito de Gondola, em Manica e Mbunde, distrito de Sussundenga na mesma província, há pouca informação sobre a doença e as formas de prevenção, segundo reportaram os membros das comunidades, ouvidas pela ADECRU.
“Na comunidade estamos bem, mas se puderem nos ajudar precisamos de mosquiteiros para nos prevenirmos dessa doença, seria bom”, indicou Marcos Joaquim da comunidade de Massamba.
“A comunidade de Mbunde está bem, apenas clama por um remédio para a doença do coronavírus” repisou Isaque Murimba. Questionado se a comunidade tem conhecimento das medidas de prevenção do Covid-19 e se estavam usando máscaras e lavando as mãos frequentemente, o mesmo respondeu que não e que não tinham baldes para lavar as mãos.
Por seu turno, Mugabe Augusto informou que “a comunidade de Nhamaturi-distrito de Gondola, não tem muita informação sobre as medidas de prevenção do Covid-19”, disse acrescentando que “seria bom que se fizessem palestras para que as pessoas saibam com se proteger e também oferecer-lhes sabão e máscaras já que na comunidade uma máscara de capulana está sendo comercializada a 30 meticais e muitos na comunidade não têm capacidade para aquisição das mesmas”.
É evidente a falta de informações sobre pandemia da Covid-19, em muitas comunidades e povoações do país. A Comunidade de Mualua, no distrito de Ile na Zambézia, é exemplo disso, segundo informou Nelson Manuel “muitas pessoas não têm informação para a prevenção da Covid-19, e as que a têm, não tem máscaras […] a comunidade ouve sobre coronavírus como se fosse boato, então seria importante fazer chegar a informação”, repisou Nelson Manuel.
Falta de alimentos
Outras comunidades rurais têm informação em relação ao vírus causador da Covid-19, sobretudo quanto a necessidade de lavar as mãos frequentemente, como é o caso da comunidade de Chirimonio, distrito de Búzi. Trata-se de uma comunidade que há mais de um ano foi devastada pelo ciclone Idai. A mesma ainda tenta se reerguer dos impactos do Idai. Os moradores da região dizem-se preocupados em garantir a alimentação diária as suas famílias ao invés de comprar máscaras para prevenir-se do Covid-19, conforme contou à ADECRU uma moradora.
“Na comunidade de Chirimonio, distrito de Buzi temos alguma informação sobre a doença, sabemos que temos que lavar as mãos com cinza ou sabão e evitar andar em grupos. Mas a nossa maior preocupação é com comida porque depois do ciclone IDAI não conseguimos produzir arroz porque não chove, […] não temos dinheiro para comprar máscaras e sabão, os alfaiates estão a cozer máscaras de capulana na comunidade, mas custam 40 meticais”- Sara Armando José, membro da comunidade.
Além dos problemas impostos pelo ciclone como o arrastamento de solos impróprios (lama vermelha) para a prática da agricultura e de difícil remoção que cobriu as suas machambas, a destruição de casas e perca da sua produção, sementes agrícolas, instrumentos usados para o seu trabalho diário a escassez de chuva frustrou as tentativas das comunidades em reerguer-se e alcançar uma boa produção agrícola na segunda campanha agrícola de 2019. Neste momento decorre a segunda época agrícola, porem as comunidades enfrentam limitações para produzir e vender os seus produtos em feiras distritais, pois as mesmas foram interrompidas como resultado das medidas de prevenção do Covid-19. Com isso, incorrem ao risco de entrar em situação de insegurança alimentar tendo em conta as suas reservas de alimentos e suas fontes de renda.
A ADECRU defende, por isso, que é preciso reforçar o apoio as comunidades rurais, em especial as atingidas pelo IDAI em 2019, sob o risco de a falta de alimentos agravar-se drasticamente com implementação das medidas de prevenção contra o COVID-19, disponibilizando sementes nativas e fertilizantes orgânicos e/ou agro-ecológicos para produção agrícola e assegurar que as cooperativas, associações de produtores (as) e camponeses (as), e pequenos (as) e médios (as) agricultores (as) tenham os insumos e incentivos necessários para aumentar a sua produção e assim garantir a soberania e segurança alimentar, com foco em culturas de ciclo vegetativo mais curto (batatas e hortícolas).
De igual modo urge que as medidas governamentais e da sociedade civil no contexto do Covid-19 ganhem maior incidência sobretudo no seio da população rural, que compõem a maior parte da população moçambicana, 66.6% contra 33,4% da população urbana, segundo o Censo Geral de População e Habitação de 2017. É importante que as acções que estão sendo desenvolvidas na capital do país e noutras cidades e vilas sejam também desenvolvidas junto as comunidades rurais para que o Covid-19 não se torne uma catástrofe.
ADECRU exorta ao Governo e demais entidades públicas e privadas incluindo a sociedade civil para que intensifiquem campanhas de consciencialização das comunidades rurais para alterar os seus modos sociais de vida, disponibilização de máscaras e outros produtos de protecção e desinfecção às comunidades mais pobres e vulneráveis. O governo moçambicano, deve por isso adotar medidas emergenciais para resolver a crise de abastecimento de água: reparos na distribuição de água e uso de caminhões onde for aplicável. Sem água, não é possível cumprir medidas básicas de higiene, como lavar as mãos.
De realçar que até a data de hoje, 28 de Maio de 2020, Moçambique conta com 233 casos acumulativos sendo 131 em Cabo Delgado, seguido da cidade de Maputo com 44 casos, província de Maputo com 22, Sofala – 12, Nampula – 11, Inhambane, Gaza e Tete 3 casos cada, Zambézia com 2 casos, Manica -1 e a província de Niassa com -1 caso, e com registo de de 2 óbitos a nível nacional, sendo 1 na Província de Nampula e 1 na Província de Cabo-Delgado.
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